18.2.10

Avião (escrito a 11.02.10)

Escrevo enquanto viajo num A320 da Companhia Tap Airlines com destino a Londres. Para mim, deve ser das vezes em que o acto de escrever é tão mais penoso que qualquer actividade socialmente aceite como causa de mau-estar, como o é por exemplo uma ida ao dentista.

O que me custa não é o debitar das palavras, já me habituei a escrever sobre demasiados contextos, de modo que o conteúdo é já pouco assustador e propiciador de me pôr uma "pilha de nervos". O que me custa muito, ai se me custa, (e só de pensar o acto de custar já custa mais um pouco) é todo este ambiente hostil que me rodeia. Tenho perfeita noção que o adjectivo hostil é uma hiperbolização oriunda de uma experiência pessoal e subjectiva e não deriva de todo de algo factual. Mas a verdade é só esta, tenho muito medo de andar de avião. Medo irracional entenda-se, daquele imune aos argumentos mais convicentes que me possam dar, daquele que se transforma em pavor à menor visualização de um esgar mais sério vindo de uma qualquer comissária de bordo, ou à mais leve turbulência mais digna de se apelar de "abanãozinho"

Por isso resolvi insistir com o meu cérebro apavorado e fazer deste exercício uma espécie de catarse, onde tento escrever sem filtros de consciência, simplesmente escrevendo tudo aquilo que me aterra na mente (até as palavras são coerentes ao momento), para ver até onde consigo ir debaixo do peso desta ansiedade.

Tentando (ainda que neste momento somente tremulamente) fazer uma análise à origem deste medo, acho que pode provavelmente derivar do facto de odiar tudo o que fuja ao meu controlo, o que ao ser paradoxal poderia por si só resolver a questão desde logo, ou seja se não controlo o melhor será mesmo me descontrair e deixar-me levar pela conhecimento dos outros. No entanto, se isto funciona com os outros comigo nem por isso daí as horas que passo fechada num sítio como este são verdadeiramente difíceis de descrever porque o medo emudece qualquer apreciação que possa fazer de uma paisagem aérea, da placidez de um bando de nuvens, da hegemonia de um céu azul.

Não consigo, a adrenalina não deixe que entre poesia nas minhas veias, como se houvesse apenas lugar para uma delas na minha circulação. Somente sinto vibrações, percepciono sobressaltos, agitações, asas que tremem, apitos que tocam com insistência, gente que se mexe apertada, e o meu coração que fala comigo como nunca fala em outras circunstâncias, com pancadas fortes, eloquentes, assertivas.

Só desejo ouvir a voz que me chega por altifalante a anunciar a descida, sentir novamente a pressão na barriga a indicar a diminuição de altitude, esforçar-me por olhar timidamente pela janela (mini) para poder apreciar a paisagem (o que nem sempre funciona se existir demasiada água e eu não vislumbrar quaquer pista de aterragem), ouvir aquele barulho horrível mas desejável do trem de aterragem, e sentir a pressão das rodas no chão ao mesmo tempo que o meu coração descansa um pouco da sua frequência absurda de batidas.

Bom, isto é o que sinto, mas a outra verdade é que também adoro viajar e entre a luta de um coração piegas e a de uma mente curiosa pelo mundo lá fora, esta última tem conseguido ganhar. Talvez por isso já tenho algumas horas de avião no meu currículo, tantas como de benzodiazepinas no estomâgo e espero sinceramente aumentar estas horas, ainda que todo o ciclo se repita.

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