28.3.11

Roma revisitada

Roma recebeu-nos com honras de chuva. O avião pousou sob o olhar cinzento de um céu que durante todo o dia chorou. Apesar de desanimador, e fortemente limitador da liberdade de escolha do que visitar, a verdade é que o mau tempo não foi capaz de fazer frente à motivação da descoberta, por isso, sem grandes delongas, e protegidos da melhor forma que encontrámos contra a àgua que nos atingia o corpo, iniciámos os primeiros passos pela cidade. Roma já teve o estatuto de capital europeia com maior número de turistas. Não sei se mantém esse lugar de estrelato mas, a avaliar pela quantidade de massa humana que abunda nas suas estreitas ruas, fazendo o adjectivo caótico parecer um eufemismo para descrever o seu centro histórico, tudo parece indicar que a fama ainda se mantém. Foi a pensar nessa imensidão de pessoas inapropriada para quem, acabado de chegar, aprecia ambientes mais relaxantes que, esquecendo por momentos os locais de referência, procurámos percorrer as ruas na procura de uma Roma menos revelada pelos guias turísticos. E ela existe. Ninguém me disse, eu própria destapei o lençol que cobre alguns locais de Roma desconhecidos ainda para muitos e pude, assim, comprovar que o lado alternativo desta cidade é capaz de oferecer locais sossegados e repletos de espaço livre, ideais para olhos que preferem ver singularidades a amontoados de pessoas.



Um desses exemplos é o museu Maxxi, dedicado à criatividade e laboratório da experimentação artística que não pretende ser somente um espaço de exposição mas também de inovação cultural. Além de estar situado num edifício de 27 000 m2 de arquitectura moderna, contrastante com os tons e com o estilo da Roma clássica, é um espaço urbano que enche os olhos e que cativa qualquer máquina fotográfica. O seu conteúdo é exemplar, equivalente ao de uma Tate Modern ou de um MoMA, e encontra-se exposto em espaços de múltiplos ambientes que convivem em sequências coerentes e harmoniosas. Aprovadíssimo, ainda mais depois de ter degustado o seu delicioso brunch tomado num espaço amplo e cheio de luz.







Mas quem vai a Roma tem de ir ao seu centro histórico e por isso depois destes momentos iniciais marcados pelo afastamento da desordem romana, ganhámos, finalmente, coragem para acariar os afamados locais do seu centro histórico. Percorremos a Via Veneto, descemos os degraus da Piazza di Spagna, subimos a Via del Babuíno e estacionámos as pernas na Piazza del Popolo enquanto o ar se enchia com as nossas gargalhadas por vermos as centenas de pessoas que por ali deambulavam, algumas à laia de passeio, outras atraídas pelas inúmeras lojas de comércio, capazes de esvaziar qualquer carteira e produzir um mundo de sonhos. Não foi fácil gerir a nossa caminhada por entre os outros corpos de passos apressados ao mesmo tempo que fugíamos da chuva evitando goteiras, pingos e outras fontes de água.




Por falar em fontes, no sentido literal do termo, e depois de termos calcorreado a Via del Corso aguardámos pela presença eloquente da Fontana di Trevi que seria um monumento grandioso não fosse o facto de ser ofuscada pela imensidão de gente que, de moeda na mão, procura, segundo a tradição, concretizar o desejo de voltar novamente áquele local. É tarefa quase impossível fotografá-la sem que algum braço, mão ou cabeça se intrometam, insidiosamente, no desejado retrato.






O rio Tibre foi atravessado para ir ao Estado do Vaticano porque visitar Roma e não ver o Papa, ou pelo menos tentar fazê-lo, seria uma afronta a todos os familiares e amigos que, ao saberem que viajaríamos para a capital italiana, imediatamente nos perguntaram se iriamos ver o máximo representante da igreja católica. Pois bem, procurámos não defraudar as expectativas e eis-nos numa manhã solarenga em frente à Basílica de São Pedro (com mais uns milhares, é certo) a olhar avidamente para a janela que alberga os discursos papais. Não vimos o Papa nem vimos a capela sistina, pois a nossa paciência fugiu para longe assim que avistou a fila para entrar, mas gostámos de ver a grandiosidade da Piazza de San Pietro, a singularidade da Guarda Suiça e a quantidade de objectos para venda que ostentam a cara do Papa actual e do anterior, fazendo jus aos mais variados gostos. Mas este lado do rio não acolhe somente o apogeu do catolicismo mas também outros espaços menos ortodoxos e bem mais mundanos, aglomerados na zona de Travestere, tais como galerias de arte, livrarias, bares, restaurantes e outros locais de um comércio hip que vale bem a pena uma visita demorada.



Mas o Colisseo é, sem dúvida, o ex libris da cidade, imponente como só ele sabe ser e com um dourado guarnecido pelo pôr-do-sol que lhe confere uma fotogenia fantástica e um vício para retinas sensíveis. É olhá-lo, olhá-lo até o deixarmos de ver para nos deliciarmos com a imponência da Piazza Venezia e do seu monumento a Victor Emanuel. Em Roma tudo acontece como uma sucessão de visões magníficas que quase se atropelam para conquistar a atenção dos ociosos. Não há momentos mortos para os sentidos pois tudo surge numa sequência de deleite visual, olfactivo e, muito principalmente, gustativo com todos os capuccinos, gelados, pastas e tiramisus que fazem da comida italiana uma referência gastronómica mundial.




Os tons ocres da cidade encontram contraste nos seus magníficos parques, apaziguadores da agitação da cidade e que nos fazem conciliar com a natureza alheando-nos do facto de estarmos no meio de uma cidade ampla e em contínuo movimento. Passear pela exuberância de vegetação, aproveitando miradouros, palacetes e espaços para degustar excelentes paninis, deverá fazer sempre parte do percurso de quem visita Roma.


15.3.11

Sol nas gavetas



A pequena amostra de sol que hoje aqueceu as minhas janelas e me permitiu sucumbir ao dolce fare niente numa esplanada, enquanto os meus olhos mergulhavam na paisagem de um rio detentor de um azul que é só dele, foi mais que suficiente para me impacientar pela chegada dos dias de Primavera. Já só me apetece que o calor invada as minhas artérias e me entre de rompante pela casa para que o possa fechar hermeticamente nas minhas gavetas. Tenho tudo pronto para o receber, gelados que não me saem da cabeça, vestidos com estampados florais, espreguiçadeiras na varanda ansiosas por corpos indolentes, orquídeas a quererem florir, pés implorantes por grãos de areia, viagens planeadas que exigem cabelos ao vento, melodias de concertos de Verão.

Começa-me, verdadeiramente, a aborrecer não poder sair de casa sem um casaco, não conseguir abandonar o edredão, não deixar de piscar o olho à manta que ainda se aninha no sofá. Quero libertar-me destas amarras que amenizam o frio e amar perdidamente as blusas de algodão que permitem que a pele se exiba, adorar apaixonadamente as sandálias que deixam que os pés se vejam, sorrir perante o vento que entra no carro conduzido de janelas abertas. Assim, enquanto o sol não passa de pequenas amostras, que por enquanto apenas nos relembram que a vida com ele pode ser muito boa, vou sonhando com a sua presença, enquanto me deixo embrenhar pela exuberância da natureza que me rodeia e que, tal como eu, já anseia pelo astro rei nas suas gavetas.

10.3.11

Aprender a aprender!

É uma verdade que custa assumir, a de que a iliteracia e o analfabetismo constituem uma realidade nacional. Apesar de todas as (novas) oportunidades impulsionadas pelos governos (defensáveis ou não, pouco importa para este texto) a verdade é que as estatísticas nos continuam a empurrar para um lugar de fim de fila no que às qualificações e ao abandono escolar diz respeito. E, apesar de ser confrontada diariamente com este contexto inquietante, quando vejo na televisão jovens que não sabem ler nem escrever, sequer, o seu nome, perpetuando uma herança familiar de alheamento atroz pelo mundo que os rodeia, isso é coisa para, ainda, me conseguir lançar uma considerável dose de perplexidade. Sei, no entanto, que há realidades que justificam o afastamento da escola, existindo quotidianos, tão repletos de dificuldades, que os números e as letras são empurrados para longe das suas prioridades. Mas sei também que para aprender é preciso querer, é preciso atentar, é preciso instalar a curiosidade. E o que mais me custa não é quem não teve oportunidades para aprender mas sim quem, não tendo aprendido, não vê nisso mal nenhum. «O pior cego é aquele que não quer ver», já diz o ditado popular que assenta na perfeição nesta atitude depreciativa perante a aprendizagem.

A aprendizagem ao longo da vida é o paradigma de formação de um estado europeu que se quer qualificado, competitivo e modernizado. Modelos políticos, sociológicos e psicológicos à parte, pois este blogue vive somente da minha perspectiva pessoal de mero senso comum, sou defensora acérrima de todas as aprendizagens que possam solidificar o desenvolvimento intelectual do indivíduo. Talvez seja por isso que nunca compreenda o argumento tipicamente utilizado, e a fazer manchete nos dias de hoje: «Para que é que estudei tanto se ganho o mesmo de quem estudou menos do que eu?». Acho legítimo que se defenda que, a um maior nível educacional, corresponda uma resposta social que actue como mecanismo de reforço da motivação. Já há muito que se conhecem as teorias do condiconamento pavloviano e dos efeitos da motivação no comportamento humano, mas existe todo um manancial de estímulos sociais que justificam as mais-valias do aprender para além do já gasto, e no fundo pouco lógico, argumento do vencimento ao final do mês.

Os vencimentos ganham-se e perdem-se; aumentam e diminuem; mudam com as conjunturas, com os mercados, com as balanças comerciais. Aprender é sempre ganhar; ganhar mundo interior; ganhar hipóteses de ir mais além, de subir as probabilidades para cada uma das jogadas da vida; é aumentar os graus de liberdade que ditam a actuação de cada um; é ver para além de olhar, é ouvir para além de escutar. Posso parecer acusar excesso de demagogia, ingenuidade, e até de romantismo, mas não acho, de todo, que esses juízos se me ajustem. Acredito que haja descrença na sociedade, cansaço pelas dificuldades de um país em desalento, desconfiança nas estruturas que nos sustentam. Mas não há maior estímulo do que aprender para melhor decidir, não há melhor resposta social do que estar informado para melhor agir. Aprender é sempre o melhor dos investimentos. Ainda que os números do desemprego não o demonstrem, ainda que os salários nacionais sejam vergonhosamente inferiores a outros países com o mesmo custo de vida, ainda que a precariedade laboral pareça ser um conceito partilhado e amplamente disseminado, ainda assim, para mim, nada justifica forçar o mundo interior à mesma pobreza imposta por uma sociedade desigual.