26.8.10

Ser para além do que se é

Há coisas que nunca fui mas que gostava de ser. Não se sendo aquilo que não se é, só alcanço esta pretensão fingindo ou lutando contra uma personalidade que não sendo inflexível, tem na sua resistência um ponto estável.

6.5.10

Azul



Eu podia viver de azul. Encher os olhos de azul, sem sobras para outras cores. Azul hegemónico, tirano, dominador, apaixonante e belo. Azul claro, bebé, petróleo, indigo, com nuances, às riscas.
Azul, simplesmente azul.

13.4.10

Palavras escondidas

Hoje estou sem palavras.
Hoje não há palavras que queiram a minha companhia.
Não me importo. Penso. Penso em silêncio.
E no silêncio do meu pensar encontro as palavras escondidas.
E nas palavras escondidas reencontro outras.
E pode ser que todas voltem.
E pode ser que o meu pensamento não volte a emudecer.
E falando com pensamentos não preciso de palavras para pensar.
Hoje estou sem palavras.
Mas não preciso delas.
Os meus pensamentos já falam por si.

7.4.10

Questionamento



Qual é a cor que me descreve?
Qual é o sentimento que me torna mais doce?
Qual é a forma do meu objecto de amor?
Quantos números perfazem os meus sonhos?
Quanto sal sai dos meus olhos e penetra na minha pele?
Qual é o aroma da minha existência?
Quantas gotas de pensar formam o meu pensamento?
Quantos gramas pesam os meus medos?
Qual é o sabor das minhas defesas?
Qual é o adjectivo que se me cola à pele?
Quantos graus tem a minha sede de risos?
Qual é o nome da minha indiferença?
Quanto mede a minha loucura contida?
Quanto vale aquilo que sou?

5.4.10

I do not know...

this is my real problem.

Sim, são pedras

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São cinzentas, inertes, estáticas, inanimadas. Pedaços de erosão que conseguem harmonia na ausência de movimento. Sustentam, seguram, protegem, conseguem gerar brincadeiras, saltos, acrobacias. Escorregar, cair, levantar, fotografar.

Sim, são pedras.

30.3.10

A vida pode ser trágica. A vida pode ser cómica. Conheço quem se desfaça em risos sinceros enquanto relata o seu próprio infortúnio, conheço quem chore e se lamente com pequenos desapontamentos que ao dia seguinte estão esquecidos.

A vida trágico-cómica depende quer do posicionamento sobre os acontecimentos que nela habitam quer do afastamento temporal da situação. Por posicionamento refiro-me a atitude pessoal, por afastamento temporal refiro-me ao encostar na expressão “isso com o tempo passa”, tão gasta de ser usada que para mim devia simplesmente ser deitada fora e reciclada para algo como “o tempo ajudará naquilo que sozinho não conseguires”.

Geralmente tenho tendência para as tragédias, o que logo em mim é profundamente trágico que aconteça porque todo o meu racionalismo me diz que esse não é o caminho. Mas também estou longe da comicidade na vida, de achar graça a contrariedades, frustrações, desilusões e outros que tais. Preciso do tal tempo para conseguir rir da situação e gostaria de fazê-lo mais rápido por minha própria atitude.

Detesto ter de esperar que o tempo me embale para que os meus desgostos, angústias e outros males de espírito sejam amenizados. Adoraria ter a atitude positiva, resiliente, optimista e recheada de outros chavões do jargão psicológico, para me render rapidamente à comédia sem precisar de uma imensidão de tempo para me afastar da tragédia.

Claro que não defendo a “fuga para a frente", o fechar de olhos para ignorar o problema, pelo contrário, a tragédia existe e existe para ser vivida, experienciada, chorada, revoltada e resolvida mas não gostaria de estar à mercê de algo tão subjectivo e ilusório como o tempo para que o cómico desperte em mim.

Não há

Amor sem admiração
Água sem oxigénio
Música sem som
Areia sem erosão
Silêncios sem vazio
Felicidade sem escolhas
Saudades sem ausências
Árvores sem terra
Amigos sem palavras
Sonhos sem promessas
Rios sem nascentes
Cidades sem gente
Medos sem objecto
Pássaros sem ninhos
Sol sem haver dia
Chuva sem haver nuvens
Campos sem quietude
Serenidade sem certezas
Viagens sem nostalgia

23.3.10

Uma casa portuguesa


Foto retirada daqui


Vivia-se o séc. XIX do milénio anterior a este quando nasceu uma casa portuguesa. Poderia apelidá-la de simples se não se desse o caso do adjectivo genuína lhe ajustar ainda melhor. Era uma casa alta, esguia, despojada de quaisquer luxos, com paredes tortas e chão de madeira gasta. Tinha somente duas janelas, uma na cozinha virada para o rio, o que a fazia sofrer de cócegas provocadas pelas gaivotas que nela roçavam a ponto de, por vezes, não se ouvir mais nada do que um gargalhar incessante, e outra na sala, virada para a avenida de árvores sumptuosas que davam àquela um ar majestoso e a tornavam tão vaidosa que os vasos que a ornamentavam viam-se obrigados a estar sempre floridos. Para além das duas janelas, tinha quatro quartos, dois eram pequenos e os outros dois eram pequenos no superlativo absoluto. Todos sofriam de uma interioridade arquitectónica que os poderia ter tornado pouco dados à simpatia não fosse o facto de quem lá pernoitava ser suficientemente alegre para os tornar aprazíveis. Em todos eles, as paredes sofriam de hematomas provocados por pregos ferrugentos que sustentavam retratos kitsch de Jesus Cristo ou da Virgem Maria.

A casa desta história era habitada por uma família que deixou descendência suficiente para perfazer os dedos de duas mãos e ainda ter de se acrescentar dois dedos do pé. A prole que lá nasceu e cresceu foi, com o correr dos anos, saindo para espaços seus e a casa desta história, outrora amontoada de vida humana, foi-se esvaziando até somente resistirem três filhas que apenas a abandonaram quando, com cerca de 90 anos, se viram forçadas a ir para outro local, vulgarmente apelidado de paraíso, onde, segundo consta, lhes estariam reservados os melhores quartos com janela do éden.

As três irmãs trataram de dividir a casa à sua maneira, não havendo qualquer parte desta que fosse propriedade comum, excepção feita à única torneira que por lá deitava água. Foram então divididos os quartos, os armários, as prateleiras, os copos, os pratos, os tachos, os fogões, as zonas das mesas, as cadeiras, as cordas e as molas da roupa, os alguidares, os detergentes, os utensílios de limpeza, os alimentos, as plantas e tudo o mais que pudesse existir numa casa. Esta divisão, que testemunhava uma vida em comunidade sem partilha de objectos materiais, foi o ideal encontrado para uma coexistência sem sobressaltos, onde cada uma geria o que lhe pertencia, conforme podia, e sem se meter na vida alheia. Cada uma das irmãs cozinhava no seu fogão a sua própria refeição, sentava-se na sua cadeira, na sua ponta da mesa, comia na sua própria loiça que seguidamente lavava nos seus próprios alguidares. A vida de cada uma não se metia com a das outras.

Como neta de uma das três irmãs, cresci nesta casa durante a minha infância. A minha ingenuidade infantil não me permitia, na altura, aperceber devidamente da peculiaridade daquele modo de estar. Tinha perante mim a prova de que a cumplicidade entre várias pessoas pode conhecer o seu expoente máximo sem ser necessário compartilhar algo de físico. Feliz por me encontrar entre aquelas paredes (o quarto da minha avó era o maior de todos e o único com dois quadros kitsch) só a idade adulta me permitiu reconhecer que naquele lar o castiço e o genuíno se sentavam connosco à mesa. Percebo agora que nesta casa apenas se partilhava o imaterial, o lado espiritual, aquele que não se vê mas somente se experiencia tal como o são as conversas e os risos, os jogos e as brincadeiras, os afectos e as gargalhadas, as lágrimas e os abraços, as múltiplas e inesgotáveis aprendizagens. No que diz respeito a amor, cumplicidade, respeito e felicidade aquela casa nunca foi atípica. Em tudo o resto abundam estórias e relatos que se aproximam da excentricidade mas que me fazem recordar a infância como algo pertencente a um mundo mágico que amadureceu com o crescimento mas o qual não me importava de revisitar.

Nota de Autor:
Este é um relato de homenagem à minha avó e às minhas duas tias-avós das quais guardo recordações que figuram na minha memória mais privilegiada. Foi dos textos mais difíceis que escrevi e com ele soube que nunca terei habilidade literária para transpor para escrita a riqueza daquela casa e daquelas pessoas.

Boca e olhos


Há sítios tão privilegiados que os olhos também comem e a boca também lê.
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21.3.10

Eu sei lá porquê


Sei lá...

Porque é que o sol às vezes é quente e outras nem me aquece;
Porque é que há dias que correm bem e outros em que o bem não entra;
Porque é que há tanto trânsito na 25 de abril se há tantas estradas em Lisboa;
Porque é que me sinto triste mesmo quando a alegria me faz uma espera;
Porque é que gosto de cães se nunca tive nenhum;
Porque é que gosto de música se ela nem me conhece;
Porque é que quero o impossível se tenho o possível sentado ao colo;
Porque é que consigo ser tão complicada se o meu nome é tão simples;
Porque é que quero sonhar se os meus sonhos não me pertencem;
Porque é que insisto em amoras se a maioria são azedas;
Porque é que escrevo se o meu escrever não tem alma;
Porque é que falo sempre em alma se não sei se esta existe;
Porque é tolero o ressonar do gato e detesto o tique taque de um relógio;
Porque é que tenho tantas lágrimas se tenho tão pouca sede;
Porque é que gosto tanto do excêntrico se nunca piso o risco;
Porque é que gosto de pessoas diferentes se só conheço o sinal de igual;
Porque é que leio sofregamente se as letras não caem;
Porque é que caio em rotinas se me levanto todos os dias;
Porque é que sou tímida se não gosto de faces vermelhas;
Porque é que gosto de ouvir se tenho as orelhas pequenas;
Porque é que gosto do absurdo se já tenho o inusitado em casa.

19.3.10

Ausência

Hoje é dia do pai.
Para mim é mais um dia dos muitos dias sem ti.

18.3.10

Urban Logic

A lion on a wall
A wall in the street
A street in the Mitte, Berlin

I was in Berlin
I like lions
I brought the lion with me

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17.3.10

Corpo e alma



Ver-me por fora é diferente da visão que tenho de dentro. Às vezes o meu corpo parece conspirar com o meu estado de alma, outras são as vezes que se separam por uma infinitude de diferenças. Os outros reconhecem-me pela cara eu reconheço-me pelo que sou e sinto, um retrato neuronal e emocional que mais ninguém vê e que é meu em exclusivo.

Como seria se não existissem espelhos, fotografias, ou qualquer material reflector que nos permitisse conhecer o nosso lado de fora? Seriamos um significado sem significante? Extrapolariamos a nossa imagem pelas feições dos que nos são próximos?

Seria um acto de pura imaginação e projecção de expectativas, quase como um conhecimento virtual. Seria no mínimo estranho, tal como estranha me sinto tantas vezes.

15.3.10

Euforia


O mundo às bolinhas
Alegrias destapadas
Gomas para sobremesa
Sol a encher os pratos
A praia dentro de casa
Chocolates à cabeceira
Amor em forma de livros
Palavras doces pegadas aos ouvidos
Amigos na carteira
Plantas a florescer na banheira
Cores no daltonismo
Arco-iris nos vidros do carro
Ver ao longe na miopia
Música sem entropia
Amar até não caber na mala
Viajar até outro mapa
A felicidade dentro da cama
Chinelos a cheirarem a contentamento
A normalidade tresloucada
A loucura ordenada
Risos gagos
Algodão-doce na bagageira
Ânimos descontrolados
Gargalhadas em altifalantes
Beijos que saem pelas algibeiras
Abraços cor de amora
Desejos selados em garrafa
Paixões guardadas no telemóvel
Brincadeiras que se colam
Céu azul pintado no tecto
Chão de madeira que canta
Sonhos que falam

14.3.10

Crossing the avenue


We have no statue like new yorkers have, but we have our own Liberty, a central avenue called Liberdade in portuguese, that is beautiful, inspiring and vibrant. I do love crossing her, driving with the wind and taking the liberty to free my own mind.



13.3.10

Setúbal, when a city meets a river


Esta é uma cidade dual.
Gosta-se pelo quão bonita podia ser, odeia-se por não o ser na realidade. Amantizada pelo rio Sado, tem uma localização privilegiada, de olhos postos na Tróia (um areal que se aburguesou dignificando ainda mais a sua beleza) e abraçada pela Serra da Arrábida cuja perfeição não se descreve para que somente se veja, tem ainda golfinhos que dançam no estuário do seu rio.

Setúbal é uma cidade ímpar, de gentes peculiares, de tradição piscatória, pronúncia típica com uma beira-mar quase livre de reclamações mas que tem crescido com pouco planeamento, com zonas dormitório despersonalizadas, desigualdades no seu crescimento e outros problemas que não é meu intuito desenvolver.

Mas esta foto é um dos meus hotspots favoritos, inspiradora, mostrando o Setúbal bonito, vaidoso e apelativo. O Setúbal onde ainda se come a boa sardinha e onde ainda não imperam os peixes de viveiro, saltando para o prato o peixe fresco apanhado no mar.

12.3.10

Clouds playing in the fields

Há paisagens notáveis que se baseiam em simples dualidades, em binómios perfeitos; um campo vasto de espigas de cor dourada olhado de cima por um bando de nuvens cor de neve. Há ainda espaço para um azul que espreita, mostrando que existe um céu que sorri.

Paisagem minimalista idealizada para quem de complexo já tem os seus pensamentos.

11.3.10

Gosto

do contacto da pele;
de sentir maciez debaixo dos pés;
de chorar enquanto ouço uma música.
de olhar o mar enquanto o cheiro e o bebo em particulas de aroma;
de grãos de areia finos e brancos que se colam e se mascaram com a pele;
que me tratem pelo meu diminutivo,
que me sejam feitas confidências,
de trocar de segredos,
de mimar assumida e inesperadamente objectos de afecto
de contar as estrelas e perceber que a infinitude existe
de gostar e quando gosto, gosto de amar e quando amo, gosto da felicidade impressa
de ler, de letras, de escrever e de escritas dos outros,
de folhear um livro sem comprar, de ler uma revista pelo fim
da liberdade, da ausência de imposições, do livre arbítrio, das escolhas sem vínculos
de conversas, de palavras directas e actos subliminares,
de descobrir, alimentar a curiosidade, do não óbvio
da discrição, da reserva, da originalidade, da surpresa

de gostar do que escrevo
e este não é definitivamente o caso

Hoje saltou-me a tampa

e acho que vou deixá-la à solta por uns tempos.

Neuralogy

Se eu sobreviver intacta, sã, equilibrada, com respostas coerentes, a conseguir fazer o 4, a continuar a gostar de chocolate com avelãs e de ouvir os U2, após este pico de trabalho (em que pico é um pleonasmo para um amontoado desmesurado de coisas para fazer), então os meus neurónios dão-se melhor do que eu pensava e eu começo a acreditar que no interior desta mente há festas e boa música.

Eu e ela

Olho para ela e vejo com nitidez como podem duas pessoas abraçar tanto a distinção. Ouço o que ela diz e liberto a dúvida interior se a admiro ou se a considero de uma singularidade penetrante face aos meus padrões frágeis de gestão das emoções.

Ela está desgastada e eu sofro essa erosão com ela. Eu desequilibro-me, mas ela mantém-se erguida, orientada na direcção certa enquanto eu corro para a inversa.

O que é que faz a resiliência existir em doses tão mal distribuídas? Tudo isto me confunde. Há quem arrume assuntos. Há quem como eu desarrume gavetas internas e ainda acumule o que sobra dos outros.

Olho para ela, ouço-a, compreendo-a, dou-lhe razão, mas emocionalmente estou tão longe dela, da sua coragem, da sua capacidade de luta, da sua sensatez.

Não há certos nem errados em questão de emoções, há pessoas com recursos internos capazes de gerir melhor ou pior as emoções mas a proximidade entre as pessoas poderia emparelhar as suas boas qualidades e afastar os defeitos.

Ou talvez não, talvez eu seja a normal num mundo em que o normal já quase não se parametriza. Talvez seja eu com a minha história de vida, e ela com a dela que nos diferencia a visão da realidade.

10.3.10

Hotels in the world



Um hotel faz-me escolher um destino, faz-me ir ao seu encontro só para me envolver na sua atmosfera.

Há sempre um segredo que se esconde, uma inovação que nos presenteia, um pormenor que surpreende.

São casas em alter-ego, ambientes que acariciam, arquitectura afectuosa, design que apaixona.

Saudades

De chamar por ti
Da cadeira do café ocupada
De mesas para 4
De não ter medo do súbito
Dos teus silêncios entrecortados por curtas palavras
De te ver online
Dos teus jornais
Dos chocolates que escondias
Dos relógios que nunca usavas
Da tua desordem
De ir contigo ao médico
De ouvir as tuas explicações somente do que gostavas
Do que te rias com os filmes do Bud Spencer
De te ensinar a mexer no ipod
Das tuas oliveiras
De te ver descascar laranjas
Da rabugice,
Da resmunguice,
Das omissões
Dos teus olhos cor de mar
Dos teus mergulhos desajeitados
Do teu lado demasiado sério,
Dos teus gelados com chantilly
Das tuas mãos
Das dietas sem resultado
Da obsessão pela bicicleta
Da tua simplicidade
Da tua curiosidade
Do teu sofá
Da tua roupa no armário
De não gostares da faixa da esquerda da ponte 25 de Abril
De entregares sempre a chave do carro
Da tua habilidade para os arranjos
Da tua falta de jeito para a cozinha
De pouco que sabia de ti
Do que gostavas do R
Do que devias gostar de mim

Tenho saudades de ti e da tua vida

9.3.10

The cat with a rabbit


The absence of movement effect in this photos sequence shows the attention of the cat on the photographer. The curiosity killed the cat but in this case it is not the rabbit with a carrot that seems to delight the eyes of the cat, but rather the hands of the photographer or maybe the friendship between them.

7.3.10

Apaixonadamente obsessiva




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Não sei se alguma vez na infância tive um amigo imaginário, não que me recorde, mas talvez o tivesse tido apesar de discreto e de poucas falas. Mas amigos mesmo eram estas turmas de bonecos que me deliciavam os olhos e que me despertaram para o hábito da leitura enquanto enchiam as prateleiras lá de casa e davam todo o sentido ao conceito de pilhas de livros na mesa de cabeceira. O êxito destes amigos da BD é universal, longe está de ser um exclusivo meu, mas ainda hoje, e com especial destaque para a turma da Mónica, os recordo como dos melhores pertences do meu imaginário infantil.

É engraçado como me deixava seduzir por argumentos simples mas que por serem tão afastados da minha realidade os tornavam da maior singularidade. Ninguém conseguia reunir um grupo de amigos em que um nunca, mas nunca tocou em água, outro tem somente 5 fios de cabelo, uma amiga aficcionada por comida, especialmente melancia e que nos dias de hoje facilmente seria diagnosticada com distúrbios alimentares, e outra que não se cansava de retaliar contra os mesmos improprérios que todos os dias lhe eram dirigidos, fazendo uso de um coelho azul encardido mas eficaz no seu trabalho. Para além disto falamos do estilo de vida descontraído, passado num Brasil quente, onde a alegria era transversal mesmo nas histórias mais "negras". Para mim era argumentos de sobra.

O bolinha e a luluzinha tinham menos graça, é certo, ainda assim, tive uma colecção razoável destes dois personagens de personalidades opostas e acho que sinceramente aguçaram o meu lado feminista com o execrável clube do Bolinha cuja assinatura escrita a letras negras era "Menina não entra". Esta que era uma irritaçãozinha em tenra idade converteu-se em algo mais sério nos dias de hoje chamado de defesa pelas igualdades sociais, mas isso não é conversa para este post. Aqui é mesmo para perpetuar amigos de papel, que sem nunca os ter tocado me enriqueceram o meu repertório de amizades que não se esquecem.

Invertido

Está tudo tão invertido. Todas as coisas sem sentido. O que deveria ser a estabilidade das horas, são momentos nos meus dias. O que deveriam ser actos fugazes são ideias persistentes.

Mudará alguma vez para o plano de outrora? Voltarei a sentir a tranquilidade consistente ou não sairei da insatisfação permanente?

Quero acreditar que está tudo invertido mas não prevertido para todo o sempre, que os momentos voltarão a ser sentidos para além de vividos. Tem de ser, assim como está não faz sentido. É como se o belo não pudesse ser visto e o banal estivesse sempre escrito em letras garrafais.

Quero aniquilar este eu que não é meu, nem emprestado, nem dado, nem oferecido, apareceu porque simplesmente está tudo invertido.

5.3.10

Urbanity







4.3.10

butterflies in my head

Tenho a alma carregada de borboletas que esvoaçam, sem encontrarem a saida. Batem levemente as suas asas, mas num movimento perpétuo que perturba, que acomete a serenidade. Preciso de as libertar, de as devolver ao mundo, desapegando-me do murmurinho do seu voo. Uma alma carregada de borboletas é uma alma cansada, uma alma que pesa pela prisão a que estas estão sujeitas. Preciso da minha alma livre, possuidora das suas próprias asas e de que estas borboletas se evadam transportando com elas os meus medos e libertando-os em campos desertos onde não os possa jamais encontrar mas somente saber que foram trocados por ideias felizes

Tenho muitos eus em mim

Tenho tantos eus que me confundo. Tenho tantos eus quanto aqueles que quero ter, quanto os mundos que quero viver, quanto os ambientes que conheço.
O meu eu tem muitos eus, uma irmandade que se atura, com coesão e sem sobressaltos.
São tantos eus que me levanto com um, saio de casa com outro e consigo chegar ao trabalho com mais outro, numa infindável troca de eus, mas de personalidade una.
Tenho muitos eus mas uma só personalidade, eles arranjam-se, definem o seu espaço mas jamais se sobrepõem.

É urgente mudar

Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.
Fernando Pessoa

3.3.10

Expoente máximo

Os dois, frente-a-frente,
olhares que se cruzam,
palavras que se trocam,
intimidade,
cumplicidade,
não parece
mas é ...
o expoente máximo do amor.

2.3.10

Working day

Há coisas que me tiram do sério. Ultimamente há demasiadas coisas que o fazem é verdade, mas existem aquelas ancestrais, aquelas que mexem directamente com a minha maneira de ser e me criam um nervoso miudinho, com um rubor indisfarçável, com uma eloquência atípica, e no seu superlativo com uma vontade de esganar o seu causador.

Uma dessas coisas é que o meu trabalho dependa de terceiros não cumpridores, abusadores, destabilizadores, criadores de obstáculos que criam atrasos, stresses e erros. Trabalho em equipa, sim, sempre, mas numa linha de acção eficaz e eficiente.

Sou organizada por natureza, não sou daquelas excessivamente concentradas no trabalho pois sei conciliá-lo com algumas pausas que considero saudáveis, mas planeio o que faço e procuro não dar demasiada importância a distracções. No entanto, gosto de pensar que há aquela distracção salutar, como um email a combinar um almoço com uma amiga, uma ida ao blog do amigo, uma visita ao facebook, que poderão até ser bons anfitriões de um ambiente de trabalho benéfico e equilibrado, desde que usados com o devido bom senso, pois claro, não perdendo de vista os deveres do trabalho laboral. Por isso não sendo de todo aficcionada no trabalho, sou-o nos prazos, sou-o na sua qualidade e rigor e aborrece-me, irrita-me, desorienta-me que me desviem deste caminho, que podendo até não ser o mais virtuoso, é o meu, e é o que me faz ter os meus resultados e cumprir os meus objectivos.

Mas parece que há dias em que todos aqueles que não pensam como eu se juntam e teimam em conspirar contra o meu planeamento, atrasando o trabalho, e fazendo com que uma cadeia de entidades e de procedimentos fique prejudicada. E isto é coisa para me irritar muito, e fazer com que a minha normal assertividade seja esmurraçada pela minha agressividade, geralmente tão mais acanhada. E eu não gosto desta inversão de papéis e por isso tinha de vir aqui escrever em tom de desabafo agarradinho a uma esperança de que amanhã seja melhor.

1.3.10

Introversão


Se por cada palavra que omitisse, dissesse um elogio.
Se por cada abraço oprimido, desse um beijo inesperado.
Se por cada irritação, oferecesse um sorriso sincero.
Se por cada vez que sinto amor sem o exprimir, segredasse palavras doces.
Se por cada momento de angústia em que me asfixio, houvesse raios de sol na minha janela.
Se por cada dor que fomento e oprimo, florescesse uma forma de vida.

Sentiria alívio, esperança, alento,
mas tudo se repetiria.

28.2.10

A cumplicidade teve um dia

Hoje é um dia especial, poder-se-ia dizer, atendendo a uma lógica paradoxal, que é um dia quase esquecido porque já se encontra naquela parte da memória que armazena os acontecimentos que jamais se esquecem. E é por isso que nem sempre sendo lembrado, este dia jamais cairá no esquecimento.

Hoje comemora-se a cumplicidade, o seu início e a sua promulgação como sentimento que não se esquece, mas que se sente em toda uma vida, que se percepciona com todos os sentidos e que é tão discreto que adormece ao colo. Hoje celebra-se a cumplicidade que une e que convida a juntarem-se a ela todos os outros sentimentos que a sustentam.

A cumplicidade teve um dia, e não foi de chuva como hoje, nem de cinzentismo, nem de vento, nem de inverno. Foi um dia feliz, e os dias felizes são grandes, solarengos, claros, cheios de raios de luz e de primavera na barriga.

Hoje a cumplicidade faz anos e não está velha, está nova, bonita, ciosa por não necessitar de ser lembrada para nunca ser esquecida.

27.2.10

Adoro ver para além de olhar


Mudar

Gostava sinceramente de ir para bordo de uma aventura diferente. Algo que me desse especial prazer, arrumando os obstáculos à porta. Ter a coragem de mudar. E não é fácil mudar. Não é fácil prescindir de um equilibrio garantido para abraçar o incerto.
A estabilidade é necessária e eu preciso dela com avidez, preciso de um chão fixo que não balance mas... infelizmente sou estavelmente instável, solidamente insatisfeita, intranquila numa tranquilidade que todos me associam.
Preciso de entrar a bordo desse navio que me leve a outro porto, a outras gentes, que me teste, que me desoriente para me ensinar a equilibrar.
Preciso da mudança, estou cansada da estagnação, de barcos que não andam, comandados por comandantes obsoletos sem carta de navegação. Quero aprender a nadar, aprender a perder o medo de mergulhar, aprender a somente depender do meu apoio mesmo sabendo que há quem nunca me desampare. Quero renovar, redefinir-me, dar-me outra imagem ou mostrar a certa, quero agradar as minhas pulsões, desfazer complexos, aumentar os meus graus de liberdade.
Mas não consigo. Agora não consigo e ontem também não. Amanhã concerteza serei coerente. Sempre o fui. Coerente no meu medo de mudar.

E o grito saiu assim

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh

26.2.10

Horas

Levamos a vida em horas. Horas para acordar, horas para sair de casa, horas para chegar ao emprego, horas para almoçar, jantar, para entregar determinado relatório, horas para lazer. Os restaurantes têm horas de funcionamento, os cinemas têm sessões a horas certas, os aviões seguem escalas horárias.
Período, escala de tempo, intervalo de tempo, horário, são tudo confinações que temos de cumprir para não cair em desoras nem em atrasos.
Ser muito cedo, ser demasiado tarde, tudo tem referência a horas. Somos vítimas das horas, tiranizados por um espaço temporal, enganados por acharmos que somos verdadeiramente livres.
Está na hora de me deitar mas ainda aqui estou, porque apesar da hora, me sinto com vontade de debitar umas quaisquer letras sem sentido. Mas o despertador já tem na sua memória a hora a que deve soar a primeira música da manhã, precisamente 15 min antes da hora a que me devo levantar.
Está na hora, pois quando mais ela passa menos eu a aproveito. A hora fica, o tempo de sono não.
Está na hora de ir, e de ficar noutro local, durante outras horas, inexoráveis.

21.2.10

Massive Attack (escrito a 11.02.10)


E para acabar com o périplo de Londres, termino com a descrição do concerto a que assisti no Hammersmith Apollo. Ambos gostamos dos Massive, ambos não os conseguimos ver em Lisboa quando em Novembro pisaram o Coliseu do Recreio, por isso ambos fomos fomos ouvi-los no seu país natal num dia gelado (-2ºC) mas onde se viviam emoções quentes.


Eram 21h27m quando entraram em palco num recinto cheio. Aguardavam-nos cerca de 5000 pessoas, a lotação máxima do recinto, havendo somente espaço para a adrenalina de quem aguarda boa música.

Eramm 23h15m quando terminaram de tocar um reportório de músicas capaz de satisfazer nostálgicos e curiosos já que embalaram a sala sons mais antigos, como "tear drop" ou mesmo um "karmacoma" cantado após encore e como remate final de um espectáculo que custou abandonar. Mas também houve lugar a música "fresh", acabadinha de sair da editora 3 dias antes , um albúm novo e aguardado pelos milhares de fãs da banda e que levou ao palco Damon Albarn, pela sua especial participação no recente disco.


Houve bons argumentos para ninguém ter saído desiludido, bom espectáculo visual, às vezes monopolizador de toda a atenção devido ao seu tamanho impacto, boas vozes, bons músicos e sem poder deixar de referir o lado filantropo do concerto que, com fins de beneficiência não deixou esquecer o povo palestiniano, as desigualdades mundiais e as diferenças sociais, expostas em muitos watts de luz.


Para mim o único senão, o pequeno grão de areia no sapato é que o meu percentil de altura é demasiado pequeno para ver em pé , em condições, um espectáculo rodeada de ingleses. Mas nada que um português não desenrasque, afinal de contas a música é acima de tudo para ser ouvida.

Londres (escrito a 11.02.10)


Gosto de Londres . Gosto de Londres porque sim. Porque é retórico perguntar a razão porque se gosta de uma cidade quando esse gostar não tem explicação, meramente porque se sente e sentir é o acto subjectivo mais difícil de transpôr para palavras, ainda mais que façam sentido aos outros.

Gosto de Londres porque sim, porque acho que ele (ou será uma ela?) também gosta de mim e sabemos que há amor mútuo quando há troca de afectos. Ele dá-me o que eu gosto de receber, eu recebo de bom grado o que ele gosta de me dar. É a troca justa, a razão da nossa fidelidade.

Para o ano há mais. Porque sim. Porque acredito na fidelidade e porque entre nós continuam a existir argumentos de troca.

18.2.10

Avião (escrito a 11.02.10)

Escrevo enquanto viajo num A320 da Companhia Tap Airlines com destino a Londres. Para mim, deve ser das vezes em que o acto de escrever é tão mais penoso que qualquer actividade socialmente aceite como causa de mau-estar, como o é por exemplo uma ida ao dentista.

O que me custa não é o debitar das palavras, já me habituei a escrever sobre demasiados contextos, de modo que o conteúdo é já pouco assustador e propiciador de me pôr uma "pilha de nervos". O que me custa muito, ai se me custa, (e só de pensar o acto de custar já custa mais um pouco) é todo este ambiente hostil que me rodeia. Tenho perfeita noção que o adjectivo hostil é uma hiperbolização oriunda de uma experiência pessoal e subjectiva e não deriva de todo de algo factual. Mas a verdade é só esta, tenho muito medo de andar de avião. Medo irracional entenda-se, daquele imune aos argumentos mais convicentes que me possam dar, daquele que se transforma em pavor à menor visualização de um esgar mais sério vindo de uma qualquer comissária de bordo, ou à mais leve turbulência mais digna de se apelar de "abanãozinho"

Por isso resolvi insistir com o meu cérebro apavorado e fazer deste exercício uma espécie de catarse, onde tento escrever sem filtros de consciência, simplesmente escrevendo tudo aquilo que me aterra na mente (até as palavras são coerentes ao momento), para ver até onde consigo ir debaixo do peso desta ansiedade.

Tentando (ainda que neste momento somente tremulamente) fazer uma análise à origem deste medo, acho que pode provavelmente derivar do facto de odiar tudo o que fuja ao meu controlo, o que ao ser paradoxal poderia por si só resolver a questão desde logo, ou seja se não controlo o melhor será mesmo me descontrair e deixar-me levar pela conhecimento dos outros. No entanto, se isto funciona com os outros comigo nem por isso daí as horas que passo fechada num sítio como este são verdadeiramente difíceis de descrever porque o medo emudece qualquer apreciação que possa fazer de uma paisagem aérea, da placidez de um bando de nuvens, da hegemonia de um céu azul.

Não consigo, a adrenalina não deixe que entre poesia nas minhas veias, como se houvesse apenas lugar para uma delas na minha circulação. Somente sinto vibrações, percepciono sobressaltos, agitações, asas que tremem, apitos que tocam com insistência, gente que se mexe apertada, e o meu coração que fala comigo como nunca fala em outras circunstâncias, com pancadas fortes, eloquentes, assertivas.

Só desejo ouvir a voz que me chega por altifalante a anunciar a descida, sentir novamente a pressão na barriga a indicar a diminuição de altitude, esforçar-me por olhar timidamente pela janela (mini) para poder apreciar a paisagem (o que nem sempre funciona se existir demasiada água e eu não vislumbrar quaquer pista de aterragem), ouvir aquele barulho horrível mas desejável do trem de aterragem, e sentir a pressão das rodas no chão ao mesmo tempo que o meu coração descansa um pouco da sua frequência absurda de batidas.

Bom, isto é o que sinto, mas a outra verdade é que também adoro viajar e entre a luta de um coração piegas e a de uma mente curiosa pelo mundo lá fora, esta última tem conseguido ganhar. Talvez por isso já tenho algumas horas de avião no meu currículo, tantas como de benzodiazepinas no estomâgo e espero sinceramente aumentar estas horas, ainda que todo o ciclo se repita.

15.2.10

Blackberry, Blackcurrant, em português simplesmente amora

palavras que se gostam porque o som transmite prazer aos nossos sensores auditivos, ou porque nos relembram momentos bons ou simplesmente porque são pinceladas de coisas boas que são voláteis mas se deixam apanhar quando ouvimos o som da palavra.

Passa-se com amora, palavra doce, aromática, tão inconscientemente perto, que quase toca a palavra amor, tão gustativa, a minha cor favorita. Um campo de amoras ou um blackberry field.

Abandono a amora aromatizada mas mantenho a amora e globalizo-a para berry, a minha new berry, outra parte de mim, avulsa, às vezes com pouco sentido para terceiros, nem sempre doce, às vezes amarga, mas sempre colorida de amora e always com blackberry thoughts.

Bem vindos à minha nova baga que sendo amora portuguesa abandona o "black" para que em estrangeiro seja a cor que se quiser.