31.1.11

Agitação!

Saio de casa demasiado tarde. Trago comigo uma pilha de nervos e dirijo-me apressadamente para o carro que dormita na garagem. Tenho uma reunião daí a pouco e estou furiosa pelo atraso que carrego. O despertador, que deveria ter tocado pelas 7:30h, emudecera e se não fosse o meu relógio interior, ainda estaria enroscada nos braços de Morfeu.

Coloco a chave na ignição e escuto o som de aviso de falta de combustível. « Só me faltava mais esta!» pensei para mim enquanto contabilizava os minutos a mais que iria perder a encher o carro com o seu alimento. Sem gastar mais tempo, apuro a manobra e, em dois minutos, já me encontro na estrada. O meu pé direito assenta com precisão no acelerador, afundando-o até sentir o tapete. Ouço música e faço o meu zapping habitual pelas várias estações de rádio, que nunca me satisfazem. As minhas mãos seguem apoiadas no volante mas o resto de mim já não se encontra ali pois voei com os meus pensamentos. Conduzo em piloto automático e somente o frio me faz reagir com um tremor de corpo inteiro. Ligo o ar condicionado e, de pisca ligado, abandono a estrada para ir ao encontro da bomba de gasolina.

O carro marca 7ºC e a humidade cinzenta apela a que vista o casaco. As minhas mãos gelam assim que entram em contacto com o exterior. Não penso no frio, pois a pressa impera, e selecciono a quantia de combustível que considero suficiente para as necessidades calóricas dos próximos dias. Enquanto a gasolina entra no depósito, enchendo o ar com a sua fragrância enjoativa, deixo-me levar novamente pelo alheamento.

De repente os meus olhos emitem um aviso. Algo se estava a passar. No interior da bomba de gasolina avisto um sujeito de comportamento estranho. Passeia-se, aparentemente ao acaso, pelos corredores da loja exibindo um olhar sinistro e uma atitude bizarra. A empregada revela-se inquieta e, para além dela e do indivíduo, mais ninguém se encontra no interior do estabelecimento. Assusto-me ainda mais quando percebo que no seu exterior apenas me encontro eu e o meu carro. Apenas eu... a uma hora de ponta! Os arrepios de frio tornam-se quentes abraçados pelo medo que cresce à medida que redobro a minha atenção. Consigo visualizar um outro homem que ao longe me observa. «Mas será possível que não chegue mais ninguém??!!!» é o único desejo que consigo extrair do meu cérebro contraído enquanto tento ganhar tempo apesar do depósito se encontrar, há muito, cheio.

Ainda que tenha a minha adrenalina em fase crescente tento refrear a minha ansiedade. Aproxima-se a hora de ir pagar e o nervosismo opõe-se à incerteza de poder estar a sucumbir aos caprichos da minha imaginação. Hesito entre acreditar que nada se passa e ouvir o meu eu primitivo que, qual ambulância em marcha de urgência, me lança um alerta de perigo. O aparente afastamento do homem estranho e a maior serenidade da empregada, faz-me ganhar coragem para fechar o carro e me direccionar para o interior da loja. O sujeito estranho observa os jornais e a empregada sorri-me de forma nervosa. Digito o código do meu multibanco recorrendo à memória automática e de soslaio não perco o homem de vista. Este, parece ter encontrado uma revista digna da sua atenção e folheia-a com curiosidade. De talão na mão e após ter ouvido o habitual «Obrigada e boa viagem!» saio o mais depressa que as minhas pernas e o meu bom senso me permitem. O homem do exterior observa-me agora a maior distância e eu, rapidamente, me agarro ao volante e volto a dar uso à chave. Na bomba ao lado já se encontra outra pessoa que abastece. Os capítulos seguintes sucederão com ela. Eu já me encontro novamente no asfalto.

30.1.11

Domingo!

Dia de dormir até tarde, de enganar o relógio e de espreguiçar na cama; dia de fazer máquinas de roupa, as claras, as escuras, as que debotam e as que não se misturam; dia de trocar lençóis para à noite escorregar os pés pela roupa lavada; dia da família, do almoço fora de portas, de encher as esplanadas; dia de alinhar com a inércia e com ela brincar ao jogo do quem faz menos; dia de lavar o carro, aspirar os tapetes e rezar para que não chova; dia de compras de última hora em supermercados repletos de gente que passeia; dia do filme cliché, da manta pelas pernas e do culto ao sofá; dia de fazer um bolo para o lanche, de adiantar as refeições da semana, de planear o que se gostaria de delegar; dia do fato de treino, da roupa prática, dos olhos sem pintura; dia de passar a ferro e de entrar em guerra com o monte de roupa; dia de ler, de fazer palavras cruzadas, de tentar o sudoku; dia de ir à missa, ao mercado de antiguidades, à feira de artesanato; dia de passear com rotações baixas; dia de injuriar as segundas-feiras e cobiçar o entardecer das sextas...

De outros Invernos

O Inverno, à partida, rouba-me emoções negativas. Quem sabe se pela sua má fama, ou se por que sirva, demasiadas vezes, como metáfora de velhice ou de fenecimento de algo. Por isso, tenho defendido sempre o Verão em detrimento daquela estação. É verdade que prefiro quando o mercúrio ultrapassa os 25ºC e o calor se sente de forma apaziguadora mas, é igualmente verdade, que o frio, quando suportável, não é uma realidade assim tão medonha. Afinal de contas, há sol no Inverno e há chuva no Verão e se algo tenho aprendido é que relativizar as situações é quase sempre uma estratégia inteligente. Talvez por este motivo me comece a conciliar com os dias frios e com a menor liberdade imposta pela chuva. Talvez seja por isso que me dê cada vez maior prazer passear pelas ruas arrefecidas enquanto o sol, acanhado, me aquece os cabelos e me obriga a franzir os olhos. Acho mesmo que por isso me consigo sentir bem numa tarde, facilmente, apelidada de feia mas cuja fealdade não se entranha porque o meu coração não a sente.

28.1.11

Retrato de uma consumista

Hoje, à hora de almoço, fui visitar o IKEA. Levava como objectivo comprar uns vasos que albergassem as minhas recém-chegadas plantas. Ao mesmo tempo, iria aproveitar para deixar os meus olhos passearam pelas novidades ou por aqueles produtos que, não sendo novos, são tão giros que merecem ser vistos e revistos até à exaustão. Como ingénua que, ainda, sou, fui de mãos a abanar significando isto que não levava comigo qualquer utensílio com o propósito de carregar os meus objectos de desejo. Bastar-me-iam os meus dez dedos para transportar as (poucas) coisas que, com certeza, iria trazer. Afinal de contas, os vasos que pretendia comprar até eram leves e eu, mulher determinada, iria facilmente resistir ao piscar de olhos das novidades.

Ora, qualquer consumista e apreciador de decoração para o lar sabe que o IKEA é irresistível. Há um não-sei-bem-o-quê na sua atmosfera que magnetiza a vontade, tiranizando-a e mantendo-a refém da capacidade de sedução dos objectos expostos. Nunca vi garfos, copos e panelas serem tão eloquentes como naquele espaço. Parece que me falam e que lutam entre si por se tornarem íntimos da minha atenção. Se me concentrar quase que lhes reconheço a voz no seu segredar ao meu ouvido.

Num rompante, esta capacidade de persuasão conduziu a que as minhas duas mãos se mostrassem insuficientes para carregar todas as coisas que já levava comigo (e que de repente me pareciam da maior urgência doméstica) levando-me a recorrer ao, sobejamente conhecido, saco amarelo. Este, assentou no meu ombro na sua forma folgada mas, com o deambular pelos corredores, foi perdendo o ar do seu conteúdo para se encher com os mais variados objectos tendo duplamente atingido, no momento em que me dirigi à caixa de pagamento, o estado de balofo e a categoria de peso pesado magoando o meu ombro que, de pele rosada, passou a vermelha.
Agora nem tão cedo lá regresso. Tenho o ombro a latejar, a carteira a reclamar e os armários tão cheios que, se falassem, pedir-me-iam misericórdia.